RENASCITUDES

terça-feira, 18 de março de 2014

Achamento





























Não há uma única verdade que não traga consigo a sua respectiva amargura...


Hoje, venho àquilo que tanto me chamou... 

Que me cegava de tanta nitidez... 
Algo próximo em demasia, latejante, 
vivo e que eu absurdamente ainda não vira: O EXISTENTE.
Impossível fugir-se desta ânsia louca em face da vida. 
Que mal-estar! A proximidade da noite é fatal 
e cada vez mais careço de tudo. 
Como estou nada!
Diante de imaginárias perspectivas, 
desvio o olhar para a vacuidade do jardim na varanda já tocado de noturna depuração. 
A leve brisa noturna alagou as minhas azaleias de um aroma misterioso, indelével. 
Um rumor surge úmido, agride-me no rosto, fecunda o silêncio, 
projeta o medo, inaugura a angústia devagar...  
O mais, é o lamento por precisar partir talvez breve... 
Mas, ainda não há uma precisão incontrolável , 
sinto que ainda posso resgatar o poder de me retirar do precipício 
sem me dar as mãos, sem iluminar as bordas...  
Fortalecer-se por si mesmo não é ancorar o barco 
no momento da tempestade, é preciso vencê-la, 
ainda que vencida pela derrota de precisar morrer! 

O sal da vida começa a ficar escasso, todos suplicam por ele ,  

mas muito poucos chegam a degustá-lo.  
A noite se prolonga e eu não saí do lugar, provavelmente amanheça 
e eu  ainda esteja bem longe de mim mesma. 
Preciso despertar, é quase hora de comprar pão e jornal;
é preciso sentir o sal e saber da vida...

O beijo se perdeu do olhar e buscou a carne...

Pobre carne, contenta-se com tão pouco e morre beliscada 
sentindo-se viva. Não, não é possível separar a alma do corpo, 
sobretudo porque é preciso regê-lo! 
E os sonhos chegam a mim como um cobertor, 
agarro-me a eles como se fossem salvaguardar minhas emoções 
e, finalmente amanhece, o sol perpassa o vidro da janela, 
quase me toca e eu fujo, novamente degenero. 
Que luta, eu comigo e a covardia se escondendo da Morte!  
É preciso reiniciar o processo, 
mas a madrugada não pode voltar ainda hoje,
a  coragem, incompleta, expôs meio olho entre a poeira do vento
e a transparência da razão.
Novamente recuo, é a originalidade de inquirir-me:  
— Que é de mim ?  Resto, sim, soçobro!
É inevitável deparar-me com a minha inutilidade,
faço parte do exaspero que encima as coisas, 
quase halo que vicia a natureza frágil do meu estar-no-mundo
de desencontros e incertezas...
Vem uma quietude pegajosa para mim e para o que é comigo.
O marasmo exige a dúvida: 
a indagação provoca o nada,
alimento-me de solidão e jamais ela se torna indigesta.
No entanto, os que estão de fora sofrem pela minha solidão, 
é o desconhecimento de mergulhar com inteireza nela,
compartilhá-la a não ser consigo mesmo.

Suspense: o indício de qualquer coisa de trágico deixa-me em pânico.
A rua escura, falta de paredes pra proteger os traumas deixados pela violência humana.
A minha casa ainda se parece com a solidão mais bonita, 
aproxima-me do útero materno e ainda me dá condições de movimento.

Hoje, percebo o quanto me afastei de mim, 

o quanto me faltou e ainda me falta para que eu possa ser tudo.
Sinto-me presa da minha própria cilada.
Fico querendo estar viva, porém como?
Reiventar-me a cada instante numa onda de amargura prévia e amorfa. 
Tudo vai sofrendo, tudo vai morrendo. 
Minha juventude, minha maturidade, minha vida, onde?
Há quanto tempo venho violentando-me?
Magoei-me e me expus sem perdões.
Uma força invisível, nascida desta estagnação nociva
já se alonga pela minha vida, infiltrou-se em mim, no que é meu.
Demoliu o edifício erguido em sangue, secretamente.
Minhas fundações trazem consigo o desígnio do perecimento
por rachaduras que não se veem a olho nú.
E vejo, o mal é comum, a angústia é padronizada.
Não, não adiantariam as drogas, eu sei.
Juntos e acotovelados uns nos outros e completamente sozinhos.
Pobre da gente, o ser a sós, cegos e loucos!
Nunca mais a calma pelos lagos, pelos rostos dos mais jovens, 
pelos amantes sob as tardes frias dos domingos vazios...
A paz, onde?
Deus é o nosso grande ausente!

Noite sempre. Viver é detectar aflição.

Está parado o despertador. Meu quarto permanece nervosamente quedo;
ele que sabe tudo de mim, de todo o meu penoso desgaste em ser,
de toda a minha nulidade.
Vislumbro a decomposição de cada folha que escrevo, 
todas com dizeres vagos e impublicáveis sobre mim.
O criado mudo tão gordo e atento à dilação de antigas desgraças 
que aguardam depois dos móveis, sem pressa...
O telefone e o travesseiro sendo devorados pela atrofia...
Fernando Pessoa treslido não sei quantas vezes na mesa de cabeceira...
Silencio exatamente nas coisas, nos objetos... Nada é!
Fui insone. Hoje, uma de mim dorme
e a outra mantém vigília contra barulhos, contra a quebra da solidão.
Nossa, que tédio! Muito de mim tem sido levado para ninguém, por nada...

Que tempo é este? A noite perdura concentrando-se e investindo

contra a minha precariedade.
Agonizo. É que todo achado tem sempre o seu lado amargo.
A gente aprende a morrer. Vim à verdade das coisas por extensão , vim à mim.
É inusitado o modo pelo qual a vida se revela aqui.
Estranho mesmo o processo de aparição:
exaustivo, lento, inevitável e de construção dolorosa, enfêrma...
Em contagem, tenho toneladas de angústias....
Recordar é morrer!
Mas que regiões danadas são estas que atraem tanto os que estão em dor?
Que labirintos e abismos cegam os esgotados pela amargura?
Que desconhecido impulso os distancia assim de qualquer sentido de vida?
A noite lhes é propícia, eu sei. Que tempo é este?
Chega dá impressão de náusea, como se a gente quisesse botar algo pra fora
e não pudesse pela inexistência deste mesmo algo.
Fui apossada, é fato, de uma impotência que mais esmerilha a necessidade de gritar.

Há quanto tempo me faço desacompanhada pela vida?

Creio porém que a culpa disto não cabe efetivamente à modernidade, 
talvez sim ao inelutável, esta energia anterior a tudo e de composição indestrutível.
Sou muito carente de quase tudo, sobretudo sou carente de mim.
Mas repilo o débil contato que seja, murando-me de inexistir.
Ah, como tudo é tão dolorosamente meu!

Agora é nunca. Sobretudo faz-se necessário o verão.

Acho que agora preciso sair pra comprar pão e jornal.
Mentira, isto é pretexto para saber de enseada, de sal e de vida.
Necessito de uma notícia de mim!
Que possuo de meu ainda que mereça preservação?
Aguardem-me meus amigos, meus vizinhos, minha família...
O que os desuniu, o que nos desuniu?
Venham somente na hora certa, venham ver uma condenada sem sentença
em sua reclusão absurda e determinada pela vida e pela morte.
Venham saber da minha pequenez!
Que determinismo é este que o homem ultrapassado da cibernética
nunca conseguiu minimizar?
A natureza humana me dá pena!

Enquanto isso amanhece.

À medida que a claridade perpassa minhas vidraças, 
denuncia-se o abandono nos meus livros, no abajur ainda aceso,
nos meus sapatos pouco usados, nas minhas coisas mais íntimas, esquecidas...
Ser nômade nada resolve: a dor crônica da alma fica onde estamos.
No entanto, eventualmente, pode-se notar que alguns seres 
livram-se rapidamente da promessa da dor, não têm vocação para a agonia.

Estou ameaçada de morrer. O embotamento parece insolúvel por ora.

Cada ser que andou por aí semelhantemente ameaçado não logrou êxito;
nenhum se livrou de sua respectiva cota de aniquilamento.
Incrustada numa pulsante expectativa, precisarei acompanhar
a gestação secreta de agentes que virão para a minha extinção.
Cogitações de toda ordem e crescentes, levam-me a hostis descobertas...
Levam-me à silenciosa e torturante experiência de ser...
Levam-me à contradizer René Descartes: "Penso, logo existo" (inexisto).

Uma luta desenvolve-se selvagem: eu contra mim!

Nossa, que coisa angustiante! Nem quando a gente se põe a comer,
concomitantemente o pranto vem, esqueci a fórmula de chorar.
Mas não há paladar, só a dificuldade de engolir, só um amargor que não tem fim.
Que vontade de sair fugindo da morte não importando para onde!
Fugir, fugir, fugir...

Eu menina outra vez nos cantos da sala, do quarto, da escola

resvalando pelos corredores escuros da dúvida.
Eu menina, esbarrando implacavelmente na contradição colossal da minha raiz:
bonecas, cachorros, álbuns de figurinhas, lápis de cor nacionais e importados
e, com a minha miséria íntima e incomensurável, apenas nada feliz!

Espio o derredor; expio a consequência de existir e precisar inexistir

sem que tenha o direito de escolher quando.
Mas é preciso deixar escorrer omissões pelas paredes.
A manhã é mais agradável quando úmida e mesmo assim,
as cigarras rebentam tecendo um cancioneiro que lhes exige a própria vida.
Rebento de ânsia. No entanto, estou apta agora a compreender melhor
esta mecânica de febre e delírio, de vida e morte...
Digiro melhor toda a brutalidade e profundeza desta minha tragédia súbita.
É o poço e, sem encostar nele sei que vou cair.
Reconheço, sou amarga comigo mesma, disfarçadamente tímida,
afásica e falto de assustar. Na verdade, sou menina sempre!

Chega, porém logo aviso:

este apontamento não pretende um estudo ontológico 
e nem teoria nenhuma sobre a angústia, sobre a vida ou sobre a morte.
É apenas a minha vida, melhor, maior parte dela.
E vida não seria exatamente o termo certo, talvez semi vida, sub vida, nada vida...
Sei lá. O fato é que preciso exercitar a desintegração 
sem jamais ter verdadeiramente me unido.

Tentei dizer de ausência, mas como dizer de ausência...?

Escrevi e morri por toda a noite, já não cabe mais nada aqui,
assim como já não caibo dentro deste quarto, desta angústia...
Sei que já não caibo em mim.
O diário e eu estamos gastos, não dei em nada e, 
finalmente vou chorar!

De tudo, restou a esperança, O Amor adia a morte.

Parece-me que dei em tudo, vou sorrir!

Autoria: Ilka Vieira





quinta-feira, 6 de março de 2014

Meu Anjo





































Meu anjo é mulher.
Um feminino arretado
desses que se constroem
pelo prazer da vida.

Minha mulher é um anjo
que ama com a força voraz
do vulcão quase contido
nas suas entranhas.

Meus anjos ultrapassam
os demônios da dor
porque conseguem vencê-los
através da dialética da vida.

Minhas mulheres são uma só
anunciando um novo tempo
que me estende a asa
para vencermos juntas.

Autoria: Ilka Vieira

Vista Farejante






























Na essência do teu abraço
me recolho e medito,
me faço horizonte,
faço-te vista farejante
e me deixo levar
pelo teu cheiro,
pela tua pele,
pelo teu calor...
Esqueço-me das guerras,
supero conflitos,
sinto desejos de brincar...
Descubro fronteiras ultrapassáveis
e confesso repentinamente
o quanto estou mais próxima
de um NÓS absoluto.

Autoria: Ilka Vieira

Amor em Definição





Descreio dos descrentes
e reputo que todo amor é falso.
A simplicidade de um sorriso
esconde a frieza da inconsequência,
e a suavidade de um olhar
oculta o riso falso dos maus amantes,
enfim, 
a face oculta se revela.
Amar não é estar apenas à janela
e ver o colorido desfilar.
Amar é lágrima, é dor, é compreensão.
Amar é dar-se por total amplexo
e sobrenadar à ilusão.
Amar é querer reter por uma eternidade
a fantasia do momento,
ou uma angústia só.

Não creio nos falsos amantes

de falsas paixões....
Não creio no amor fácil e fugaz...
Não creio no amor
que dura menos de um segundo,
não creio no amor condicional.
Talvez um poeta sonolento
seja só uma semente antiga e fenecida,
mas, o amor sempre igual é eterno,
sensível e insensato,
sofrido como a morte, 
fatal como a vida.

Autoria: Ilka Vieira



Ilusões


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Amar
































Cada um ama a sua maneira. 
Uns amam em fração de segundos, outros levam um tempo enorme para sentir que estão amando 
e ainda há aqueles que só descobrem que estão amando depois que perdem.

Uns amam apenas por uns dias, por uns meses... Outros amam pra toda vida.

Uns amam tomados de dores, outros amam porque sabem jogar as dores pra de baixo do tapete.

Uns amam morrendo de amor, outros amam completamente sem vida.

Há os que amam ensinando o amor, mas há os que amam desistindo de tudo.

O amor é um grande desafio, nem sei mais se é preciso se amar muito pra amar alguém, 
ou se é preciso se reconhecer amando muito o outro, para conhecer a sua capacidade de amar a si mesmo.

O que vale é a consciência de que cada um ama de uma forma, 
não há como comparar o amor de alguém com o seu próprio amor. 

Amar é sublime, é gostoso, é saudável! Amar é difícil, é conflituoso, parece incurável!
Amar é a liberdade que adquirimos do próprio “EU” durante a vida e, que nos permite permanecer ou sair..., 
de acordo com o que enxergamos sem paranoia. 


Autoria do texto: Ilka Vieira