RENASCITUDES

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Sono das Queixas



Enjoam-me as queixas caminhantes lado a lado
Ensurdecendo lágrimas e travando saídas
Já não brigam dois corações acomodados
Brincam de felicidade em afetos suicidas.

O medo de perder o que morto já está

Pinta o egoísmo de sentimento bom
E a paisagem do sonho que não virá
Deita-se à margem da sombra sem tom.

Ouvir e aceitar o silêncio circulante

Dançando em volta dele dia após dia
Não diluirá o ressentimento soluçante
E confirma o vício da falsa analgesia.

O que pensa um olhar desencorajado

Esperando que a vida lhe doe uma flor?
Enquanto isso o tempo grita atormentado:
Amor que cultua dores não é amor!

Autoria: Ilka Vieira


Efeito



A chuva corre...
pelos cantos das ruas,
sensibilizando almas nuas,
levando gente, lixo, emoções.

A chuva corre...
num caminho imprevisto,
levando sêmen e sangue,
luz e amor, ilusões...

A chuva corre...
num ritmo rápido,
levando o meu tempo perdido,
meu passo indeciso,
o meu sentimento.

A chuva corre...
e num correr gracioso,
num lance poético,
até esqueço qual chuva que corre.

É água suja somente,
é a fome derramada pela enchente,
é a mágoa libertando a mente,
é o medo se fazendo improcedente
ou é a vida se fazendo ausente?

A chuva corre...
com ilusões em direção ao infinito
como se a vida se resumisse
em ser só... em fazer tolices...
em ser o quê 
ou sem ser pra quê.

A chuva corre...
perseguindo o lixo afoito,
tropeçando em flores pernoitadas
que a lembrança retomada
redesenha no coração.

Repentinamente a chuva pára.
O sol ressurge.
Os olhos ficam mais claros
e a gente sorri
do sem querer que quis,
do tempo exato perdido,
da ilusão que ficou.

A gente sorri
e tantas vezes
pretende apenas chorar. 

Autoria: Ilka Vieira

Ferida da Alma


É quando o coração esmagado
Rompe com a estação do riso
Chora a dor no silêncio inabitado
Faz da morte seu atual paraíso.

É quando o olhar se volta pra dentro

No mais ébrio estado de entrega
O eu, de tudo se torna o centro
E a vida externa se faz de cega.

É quando a natureza ganha valor

Como companheira que sabe ouvir
Interrogamos um simples voador
Como voar tão alto pra não sentir?...

É quando o corpo perde a poesia

Pés, braços e tronco no mesmo nó
Amarras fortes gerando paralisia
E ao mesmo tempo cada um tão só.

É quando a força sanguinolenta

Rompe a pele pedindo socorro
E a alma queimando feito pimenta
Deixa-se incendiar por um esborro.

É quando não findam noite e dia

As horas batem latejando a ferida
O sol passa longe, mas arrepia
A alma engrena, mas não dá partida.

Autoria: Ilka Vieira


Conturbação



Ah, vida... minha vida...
Construí um cenário e não saí do camarim
Entrei sem saber, pela porta da saída.
Achei que brotava quando já era o fim.

Ah, vida... minha vida pequena...
Dei laços com fitas falsas de cetim
Lutei como idiota sozinha na arena 
Voei como pássaro bobo em torno de mim.

Ah, vida... minha vida negligente...
Fiz dos abraços mais calorosos
Despedidas mais deprimentes.

Ah, tempo... meu tempo perdido...
Tropecei, levantei e não vi o adiante
Segui ferida, esbarrei na morte
Confundindo-a com a vida emocionante.

Autoria: Ilka Vieira


Obrigada pelas Flores



Tantos anos se passaram...
Tantas recordações sobreviveram...
E as mágoas se transformaram?
Meus sentimentos, não morreram?

Eis aqui doces palavras
alinhadas num belo cartão,
mas não respondem às dúvidas
que deixaste no meu coração.

Da tua partida, fiz-me decidida...
Do teu silêncio, fiz meu canto liberto...
Do nosso amor, fiz-me ressarcida,
provando-me que, com você, vivia no deserto.

Hoje, chegas tão próximo enviando-me flores,
mas não alcanças a proximidade que há entre nós.
Arranca-me um vago sorriso sem furta-cores
e a certeza de que flores não desatarão meus nós.

Autoria: Ilka Vieira



Foi-se a Criança...



A criança que em mim ainda habitava
Perdeu-se abraçada a um rochedo
Já não faz sonhos daquilo que amava
E de amar passou a sentir medo.

As brincadeiras adultas recolhidas
Guardadas no zelo do que se pesa
Pesadas pelo tempo e tão vencidas
Adoçam-se apenas pra uma reza.

A idade avança e o coração endurece
Já não há criança e nem juventude
Minh’alma hoje apenas se abastece
Da voz fechada em plena quietude.

E a infância que alegra a velhice
Aprecio naquele que a conservou
Meu jeito solto de meninice
Precocemente a dor o apagou.

Autoria: Ilka Vieira

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Sonho Adiado




Ela desce a ladeira com o filho nas costas
Há quem pense que se contenta
Que se anula e não sustenta
Sonhos e impulsos de pecar
Merecer e desfrutar de refletores e caviar.

Ela passa a roupa cantarolando
Espera pelo seu homem disfarçando
A tristeza e o suor.
Serve o jantar à luz puxada
Lava a louça conformada
E deita com a promessa de um afago
Que o marido deixa adiado...

O jeito é acordar sem ter dormido
Esquentando a água para o café
Se fazendo cafuné
E empurrando mais um dia...

Autoria: Ilka Vieira

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Vaidade Madura



Que me importa, se...
envelhecem os arredores da minha face.
Vive em mim um bosque florido... cheio de encantos.

Que me importa, se...
meus olhos não enxergam o colorido das vitrines.
Vê por mim a poesia dançante da lua
inebriando de sonhos a minha noite nua,
fazendo-se menina para o meu amanhecer.

Que me importa, se...
a vida fechou-me algumas estradas...
ainda grita em mim a voz do desafio,
salientando-se de vaidade madura,
desviando-me por caminhos de candura.

Autoria: Ilka Vieira

Escora



Enquanto mãos alheias
invadem a tua vida,
pernoitam na tua sombra,
tu te fortaleces e cresces.

Enquanto jogam pedras no teu silêncio,
ignoram teus motivos,
tu fazes calar o teu grito
e mais uma noite adormece.

Enquanto cortam os teus frutos,
teu suor escorre
tua boca seca
tua alma queima
tua força brota
teu corpo voa... se alimenta.

E quando teus frutos amadurecerem,
se não mais forem fortes as tuas raízes,
meu tronco ainda será o mesmo
e te colocará de pé.

Autoria: Ilka Vieira

O Amanhã



Não feches teus olhos, criança
ainda que te doa assistir
ao sangue derramado,
aos conflitos armados,
à falta do bem querer.

Não embaces a visão
faze da crise a experiência
do desassossego, a alegria
e planta uma flor na melancolia
até que o tempo 
subtraia as dores,
adormeça os rancores
e inspire os novos homens
à doce forma de amar.

Vê como o hoje é curto
e ainda não tendo como evitar o luto
tem gente grande demais pra chorar!

Assim que esse hoje virar passado,
tuas sementes já terão crescido
e o mundo estará mais amigo
sem resquícios do eversor.

Purifica a tua visão do futuro
acreditando que todos os muros
serão mãos dadas como
na brincadeira de criança
sacudindo a esperança
para um novo amanhecer.

Autoria: Ilka Vieira


O que faz de mim O Amor



O amor estreita-me 
Abre-me precipícios
Furta-me o brilho e a força
Envenena-me o sangue
Cria-me grades indestrutíveis
Tira-me os sonhos de fada
Deixa-me dormir na chuva
nas pedras... nas estradas
Anula-me os pontos de vista
Cospe-me em público 
e atira-me ao chão
Mostra-me assombração
Pesca-me farta de afeto
e devolve-me oca para a vida.

Autoria: Ilka Vieira


terça-feira, 28 de agosto de 2012

Canção da Dor



Depois que a dor adormeceu
minhas mãos suplicavam carinho.
Meu olhar falava baixinho
por medo de acordá-la... enfurecê-la.

Meus sonhos escondiam-se em cortinas d'alma
e, respeitando a magia da calma, 
murmuravam palavras de esperança.

Minha voz tão frágil... cansada
ainda me ninava com cantigas de amor.
Meus beijos aguardavam tímidos
pela chamada... pelo vigor.

Minha poesia empobrecia:
vestia trapos, rimas nuas
encobria metáforas cruas
dedilhava buscando beleza
nas sobras da tristeza.

Autoria: Ilka Vieira

Passos Estreitos



Vem dançar comigo
a melodia da lua
passos em desenhos estreitos
coração acelerando o peito
mãos ludibriando o respeito
e a lua espiando sem jeito...
Um troca-troca de pernas na pista
sinalizando desejos à vista
até resplandecer.

E deixemos que entre a lua
despida de preconceitos
fotografando e tirando proveito,
fazendo da alegria
a calmaria do prazer!

Autoria: Ilka Vieira

Hospedagem do Amor



Deitei-me sobre teu corpo belo e morno
conduzida pela máquina do prazer.
Mas o mesmo corpo que mata a minha fome
não toca meu coração ao amanhecer.

Um corpo sem cabeça
cabeça sem império
império sem riquezas
riquezas sem luar...

No teu corpo o amor não reside
apenas hospeda-se.
No entanto, 
ainda que pernoitante
volto sempre a criticar.

Quando saio, lavo o rosto
como se pudesse esquecer que te vi.

Autoria: Ilka Vieira

Passageiros do Meu Coração



Ainda guardo comigo os amores que por mim passaram.
Alguns deixaram flores, outros deixaram dores 
mas todos foram passageiros do meu coração.

Uma boa parte deles chamo de achado

outra parte, prefiro denominar como perdido... extraviado
mas todos provaram da minha fartura de sentimentos.

Aqueles que viraram o meu barco,

certamente souberam da minha sobrevivência.
Os que me resgataram, obviamente receberam lição de recomeço.

Regouguei frente a frente com muitos deles 

não por ira, mas por tese. 

Em circunstâncias raras, 

permiti-lhes fazer sangrar 
minha solidez, descuidei.

Alimentei os famintos de espírito

aumentei a sede dos apressados
dei corda aos dissimulados
salvei das minhas maldades 
os generosos, 
fugindo...

Acendi o fogo dos resignados

desregrei os perfeitos
enrijeci os pegajosos
lapidei os brutos... embruteci os polidos
converti em amigos os mais antigos
madurei... deitei à sombra de histórias 
cancelei meus projetos amorosos...
... e, por pouco não me sobro.

Já ia me fazer dormir,

mas optei por relembrar.

Autoria: Ilka Vieira

Nasce o Filho do Poeta!



É tarde!
O poeta não pode adormecer ainda
Sente as emoções do parto 
Um novo filho vai nascer!
Ainda não sabe o nome
Talvez um só pronome
Um verbo trazendo o passado
Ou um adjetivo ensaiado
Quem sabe um presente dos Deuses?
Ou um futuro abstrato 
Com descrição de um retrato...

Nasce o filho do poeta!

Chora de fome
Fome de afeto,
Carente, tímido em se mostrar 
Ou quem sabe, ousado
Será ele fruto do amor...
Da vingança...
Da melancolia...
Ou da esperança?

Sorri o filho do poeta!

Quer brincar com o mundo...
Com os corações...
Quer abraçar... dar-se em mãos...
Entrar nos sonhos e deles sair 
Sem deixar nada em branco...
Revestir alegrias e tristezas
De acordo com as sutilezas,
Independente das idades. 

Cresce o filho do poeta!...

Ah, quanta ansiedade em tocar um coração!
Quanta magia na procura...
Na máscara que esconderá sua loucura
Gerando o arremesso climático do prazer
Para quem acaba de renascer
Como fiel leitor... 
Ou mãe da sua própria dor.

Começa a andar o filho do poeta!

Mostra-se arredio... tímido...
Esconde-se por trás das cortinas
Quer sair correndo... tremendo... 
Temendo as críticas... as vaias...
Os olhares sedutores das saias
Ou as gravatas preconceituosas
Que deixam falir o melhor do prazer
Ou, quem sabe, morrer!

Vai amadurecer o filho do poeta!

Provavelmente,
Tornar-se-á um exemplo...
Diversos exemplares
Criticados... aplaudidos...
Imitados...
Com rugas... orelhados...
Menos circulados, mas...
Jamais esquecidos...
Fora de moda...
Sem pai... sem autoria!

Autoria: Ilka Vieira


Asas de Mel



Cola tuas asas e voa... 
ainda que partidas, voa... 
uma liberdade te espera
uma lembrança te calcifica
um sonho te confunde
uma saudade te invade
uma distância te chama 
uma vitória te grita
uma única verdade te basta.

Cola tuas asas... 
seca teus olhos... 
estende novamente os dedos 
e deixa escorregar por eles 
a suavidade que em ti 
permitiram sobreviver.

Autoria: Ilka Vieira

Vencedora



Sobrevivi a labaredas abertas
diante dos meus caminhos.
Ousei abrir passagens incertas,
defendendo-me dos espinhos.

Uni com perfeição
as partes mais quebradas.
E ainda que algemada,
salvei meu coração.

Perdi os anos na selva,
aprendizado duro e cruel.
Mas, poupando-me da relva,
transformei-me num corcel.

Venci fortes inimigos
com palavras de carinho.
Resgatei méritos antigos,
perdidos por desalinho.

A batalha mais complicada
- pela qual fui premiada -
venci nos últimos tempos:
entendi que a vida é curta,
não vale contra mim nenhuma luta
que não seja perdoar para viver.

Autoria: Ilka Vieira