RENASCITUDES
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Olhar Somático
Eu sei que tu me olhas, eu vejo!
O olhar é como a vida:
um silêncio misterioso que fala.
Não sabes, mas sou comedida,
meu coração observa enquanto cala.
Leva teu olhar somático ao final da fila.
Deixa-me ver se tens poesia nesse olhar...
... se me dispo pela tua pupila
ou se te obrigo a decolar.
Autoria:
Ilka Vieira
Melodia de Certezas
Fizeste-me esta canção
sob a delicadeza do violino
Mágico momento de domínio
do arco sobre as cordas imaculadas...
Teu olhar a me fitar
como se eu fosse teu mavioso hino
Tua vibração a se declarar
como alma enamorada.
Sem palavras,
sinalizaste com a lágrima destemida
o cultivo do sentimento transparente.
Contigo, torna-se possível tocar a vida;
Comigo, tocarás as estrelas eternamente.
Autoria: Ilka Vieira
Umas e Outras
Entrei em teus braços
desforrando a carne
forrando a cama
aderindo teus hábitos
digerindo as queixas
virando as fotos de umas
revirando os bilhetes de outras
incentivando tua fome
secando minhas lágrimas
comprimindo meus sonhos...
E, por fim,
acordando com o meu nome
riscado na tua lista.
Autoria: Ilka Vieira
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Quase Vida...
O dia quase lilás
A rua quase vazia
O medo quase matando
A fome quase levando
A fé quase morrendo
O sorriso quase chorando
A criança quase estudando
A paz quase sonhando
O trem quase piedade
A máscara quase caindo
A promessa quase mentindo
Deus quase desistindo
A gente quase vivendo.
Autoria: Ilka Vieira
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Intempestividade
Tudo o que vi e não fui capaz de entender,
Fica pra trás, aliado aos sinais da idade.
Tudo o que perdi e não fui capaz de reaver,
Fica na sofreguidão da conformidade.
A hora de ir é agora, ventos me chamam...
Caímos em nós num minuto escasso
Deixo um abraço à aqueles que me amam
E aos que me enganaram desfaço o laço.
Quem ousará reabrir esta porta,
Ouvir o eco das minhas fundações?
Quem replantará a minha horta,
parecendo mais uma treva de desilusões?
Nos braços, a ânfora que me abastece
No olhar, o mapa do meu destino
Na alma, uma antiga e louca prece
No impulso, a força do meu desatino.
Autoria: Ilka Vieira
Desembarque
Vieste numa manhã azul do passado
No esconderijo da concha adolescente
Que saberia guardar bem guardado
O segredo de uma aventura efervescente.
Embarcaste na ânsia de uma descoberta
Que só um descobridor de terras é capaz
Fizeste de uma navegação tão deserta
O roteiro de correnteza da paz...
No trajeto avistaste arquipélagos de utopia
Tinham lua bonita, canto de sereia sem chão
E quase desembarcaste a tua doce fantasia
Desviando do porto que aguardava teu coração.
Os ventos traziam-me recados em branco
E a vida apressada quis me adormecer de dor
À beira do cais, eu só queria teu olhar franco
E o tempo recôndito fortaleceu-me de amor.
Chegaste no contorno de uma onda inquieta
Resgatando pérolas de um sonho adormecido
Desembarcaste no meu porto de poeta
Ancorada na fé do meu abraço florido.
E hoje, esse porto que te parece seguro
Reforma a coragem para sempre te aportar
Se enfeita de paisagem aberta e sem muro
Mas já que desembarcaste, que seja pra ficar!
Autoria: Ilka Vieira
Ilusão Libertina
Ah, meu corpo travesso
escorregando pelas dunas
feito criança na idade da vida...
Era castelo de areia, albatroz, purpurina...
Era cavalo sem dono, barco e bailarina...
Ah, meu corpo faminto
na cegueira de ardência do estio...
Pousava breve e já fugidio
da fartura de carênias alheias...
Ah, meu corpo tão ingênuo
esbarrou num navio oblongo...
E na falsa mansidão do mar,
parecendo sobrenadar,
caiu nas redes do amor.
Autoria: Ilka Vieira
Ser ou não Ser...?
Ser ou não Ser...?
Pensa o sisudo senhor
diante do espelho.
Examina um sorriso,
modifica o penteado.
Ser ou não Ser...?
Justifica o senhor
num passo frenético
correndo os dedos por cima dos olhos,
puxando os cabelos,
mordendo os lábios,
erguendo o nariz,
simulando a imagem.
Ser ou não Ser...?
Falando pra si
despe-se inteiro,
corre pro quarto,
rasga um embrulho:
UM VESTIDO VERMELHO.
Autoria: Ilka Vieira
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
Magia das Lembranças
A Lembrança pendura momentos agarrados ao nosso pescoço. Sinto-me estrangulada quando a lembrança aperta minha garganta e não deixa o ar passar.
É uma saudade ou rejeição de vivê-los novamente com a mesma perfeição que ocorreram. Nada planejado, nada escrito para comprovar ou mesmo para ser repetido. Mas voltam a ser desenhados num enlace forte entre os olhos, o cérebro e o coração. Não há como tocá-los, momentos passados são lembranças e estas são abstratas, que pena! Há momentos tão curtos, tão rápidos que, se não forem bem desfrutados passam desapercebidos. Há quem nos aponte, há quem consegue senti-los ainda passando, mas é aquela coisa da gente procurar com os olhos e não ver, porque só o sentimento enxerga o passado. Os momentos sofridos doem tanto que me veem à boca com gosto de lágrima sem adoçante. Já coloquei muito mel em amarguras que precisariam ser adocicadas para serem guardadas, mas elas perdem o mel quando voltam a latejar, fugir da realidade é persistência inútil!
O fato é que os momentos não são mesmo iguais, por mais que os classifiquemos não chegam a ocupar no baú, espaços entre as semelhanças, sinto inclusive que os momentos exigem mudança de parágrafo, cada qual com a sua introdução e desfecho. O tempo ajuda, mas nós somos o vento a empurrar, bloquear ou a trazer em proximidade as nossas lembranças.
Há momentos que se tornam tão mágicos na lembrança que entram e saem da cartola como se fossem pombas e lenços a nos confundir. É preciso se despir dos preconceitos que fizeram parte das lembranças, porque elas não têm gênero e diluem idades, mas podem ser plurais e eternas.
Autoria Ilka Vieira
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
Estância
A estância em que me guardo
não é lágrima... não é mar...
É calmaria que vem do beijo,
é um choro de riso sonoro...
A estância em que me dou
não é eterna, eu sei...
É nuvem desenhando o tempo,
é o minuto que não voltará igual...
A estância em que me rego
não é jardim plantado, nem de inverno...
É mato virgem que suga toda a chuva,
é água de rio que corre pra virar oceano...
A estância em que mato minha sede
não é cachoeira de queda forte...
É gota de torneira que vira tempestade
quando pressentes que estou virando solo fértil
fora da tua propriedade.
Autoria: Ilka Vieira
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Desfecho
No árduo momento da partida
Reguei flores esparzindo aromas
Porta aberta, minh’alma sem saída
Olhar perdido buscando sintomas.
Incôndita, arrastei o peso do fracasso
Fiel ao sigilo da mente na escuta
Ainda suplicaria um último abraço
Se assim fosse revista a minha luta.
Tropecei no tapete já desbotado
Procurando cheiros do prazer
Mas nem ele se fizera meu aliado
Tudo incentivava o meu fenecer.
Fechei cortinas trancando a vida
Saindo da casa senti um vazio
Voltei pra cama arrependida
Fruta rejeitada pelo teu fastio.
Autoria: Ilka Vieira
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