RENASCITUDES

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Sonho de Eva


Fitando paisagem
acordei árvore
dancei como folha
vesti-me flor
espelhei-me no lago
cresci tronco
fui descamando...
envelhecendo de pé
renasci sem morrer
Confirmei-me Mulher!

Autoria: Ilka Vieira

A Viagem da Bordadeira


(À minha irmã bordadeira, Vera Lúcia Vieira)

É majestoso vê-la compor sua bagagem

Num ritual de quem parte buscando a paz
De quem sonha e faz a bonita viagem
Pelos campos que deixou lá atrás.

Seu paninho tão limpinho, vai demarcando

Cada estação por onde passaste
E com o colorido da linha, confirmando
As mágoas que já apagaste.

E quando terminas de colorir a casinha

Sonhas com os sonhos infindáveis:
Lindos jardins que a sua mãozinha
Regou com toques tão amáveis.

Não esquecendo dos bichinhos

Que crias nas tuas aragens
Fazendo voar lindos passarinhos
E tuas alegrias dão-lhes passagens.

As horas se passam e a lua vem roubar

Pensamentos que ocupam o teu dia
Parecem te levar a recordar
Pontinhos por onde passaram tua alegria.

A caixinha das linhas multicoloridas

Ficam a espera da próxima estação
Se mar, serrado ou histórias de vidas
Inverno, outono, primavera ou verão (?)

Eu guardo de ti a lição da delicadeza

Dar a mente os florais das estradas
Aprendi que bordas as tuas grandezas
Retocando teus lindos contos de fadas.

(Obrigada, minha irmã, 

obrigada por tão belas paisagens que bordaste 
lá dentro do meu teimoso coração).

Autoria: Ilka Vieira

Gilia Gerling - Sob a Luz da Poesia





Minha Biografia Poética



Nasce a poesia!
Como todo recém-nato,
precisará de um espaço aconchegante
para se desenvolver...
ousadia para se exibir...
brilho próprio para se destacar...
sonhos para se motivar...
críticas para se corrigir...

A poesia tem luz própria; além de iluminar a inspiração, estimula a mão que cria a dança das letras, através de melodias da alma.

Escrever é uma das coisas que não tenho medo de recomeçar. Escrever libertou-me de tudo. Aprendi a abrir as asas e estendê-las ao próximo, ao distante e... a mim mesma. Não consigo escrever muito sobre a vida de alguém, porque sempre procuro semelhanças com a minha própria vida. Quando escrevo, gosto de mudar repentinamente de um assunto para outro, e depois retornar a cada um deles com maior ênfase.

Costumo dar cor às coisas que não têm cor, poesia ao que está morto e chances à hora final. Já consegui me dar nova vida e sinto que, quando quero, dou nova forma ao meu corpo, novos traços à minha face e... me recomponho. Sempre tive medo de dormir sozinha. Hoje, quando durmo com alguém, conscientizo-me de que estou, antes de tudo, dormindo comigo mesma. Faço-me duas até me fortalecer. 

Não tenho nenhuma saudade de mim, porque o que fui não quero ser mais. Desperdicei-me por muitos períodos, mas não me cobro, sou livre para falhar. Nos momentos de justificativa, seria bom que substituíssemos as palavras pelos abraços. Os abraços são mais expressivos, por mais sufocantes que se comportem.

Hoje, percebo os fatos antes de entendê-los, e quando eles tentam se expor a mim, já me esclareci. Não sei se é do amor que sinto falta ou do desejo de partilhar a minha vida. Conflitos, descobertas... tudo e sempre sozinha. Esse foi um lado da vida perdido, irreparável, talvez porque o desejo da partilha fosse sempre o meu lado verdadeiro, mais real, mais desesperado, e por isso o tenha negado tanto. Nem mesmo a minha ilimitada carência foi partilhada, nem a deixei ser pressentida conscientemente.

Agora, tenho certeza de que posso dividir a minha vida entre o antes e o depois. Havia esquecido o poder que a dor tem de fazer renascer. Por todo o tempo transcorrido, coloquei-me do lado de fora, registrando, minuto a minuto, cotidianamente; sensações não vividas.

Fui retirada de mim mesma a fórceps, a cabeça esmagada, o corpo massacrado. Não gritei ao nascer e prendi na garganta meu momento de morrer.

E agora... vivo, vivo muito!!!

Autoria: Ilka Vieira

terça-feira, 25 de setembro de 2012

SER Ilka Vieira


SER Ilka Vieira...
Amadureci descobrindo que não posso ser uma única pessoa, porque não posso ser a mesma pessoa em todos os momentos...
Preciso ser o que a vida me permite sem que eu regrida na dignidade, na sensibilidade e na sabedoria.
Já não me cobro tanto e abraço meus pequenos defeitos, porque preciso deles para que eu faça parte da humanidade.
Sei que me comporto como exagerada, porque reajo com MUITO para tudo. Sinto muito calor ou muito frio; sinto muita melancolia ou muita alegria; sinto muito amor ou total indiferença; lembro-me de tudo ou de nada (jamais me recordo vagamente...).
Meus passos são largos, muito apressados ou então não saio do lugar, porque não sei caminhar lentamente...
Falo muito baixo ou grito, porque regulo o tom da minha voz através do tom de quem estou ouvindo... de quem estou apreciando ou está me incomodando. Reajo ao silencio do meu ouvinte com um tom muito alto ou com o próprio silencio como resposta.
Tudo em mim é muito intenso, porque não sei lidar com a minha intensidade de querer acertar.
Canso-me de SER... de não SER mais... ou de voltar a SER. Temo me perder... depois, temo me achar sem mais me querer...

Incomoda-me SER cíclica: numa temporada quero tudo por perto e bem perto (família, amigos, grandes amores...).  Em outra temporada, quero tudo bem longe, inclusive Eu de mim mesma.

Imaturidade? Despersonalidade? NÃO, Não, não... não sei! Mas é preciso ter maturidade para se ver como verdadeiramente se é!
É preciso ter personalidade para permitir-se despersonalizar diante das exigências da vida!
É preciso ter calma até para ter calma... é preciso aceitar que o sorrir pode ser um carinho ao impedimento de chorar...

Sou Ilka Vieira, mas sou tantas Ilkas também... sou Ilka sem ser ILKA e sou Ilka sem certeza se e de onde advém...

Mas, pra quem não teme a franqueza 
de quem se confessa nu e imperfeito, 
mergulhe na minha alma com inteireza,
sou Ilka Vieira sem questão de sujeito.



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Ingremia


Dobra a ponta dos dedos,
convida-me a essa fartura de estradas...
Raras paisagens...
Escassos acostamentos...

Limita-me a velocidade
e cobra-me pedágio.
Desvia-me pelo córrego,
e quase mata-me de sede.

Interdita o retorno
e impede-me de cortar caminho.
Freia-me nas curvas,
mas rouba-me os reflexos
e atira-me pela ingremia
desse asfalto quente e derrapante,
onde acabo por cavalgar
e depois adormecer.

Autoria: Ilka Vieira

sábado, 22 de setembro de 2012

Guardador de Tempos


Tão mais amarga seria a vida,
se na lembrança deitássemos apenas dissabores,
bebêssemos o suco dos desencontros,
estreitássemos desamores não-curados.

Mas não é assim...
Há sorrisos que sobrevoam a saudade,
perfumes que marcaram os tempos
e, se partiram, visitam-nos através dos ventos,
deixando-nos um vago desejo...
uma fantasia... um ensejo,
ou, quem sabe, um empenho de voltar e viver 
aquilo que a juventude não soube manter
e agora, talvez,
a cruel realidade não nos permita arriscar.

Autoria: Ilka Vieira

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Elos


Quando as mãos se soltam...
permanecem elos do calor
que o tempo ilimitou.

Quando o beijo se mostra distante...
revela-se a transformação do elo ansioso
na plenitude harmônica do afeto.

Quando os olhares profundos escapolem...
partem em busca de aventuras,
voltam um dia arrastados
pela força do elo deixado.

Quando a voz se desequilibra...
sai gritando pela estrutura partida,
tenta voltar arrependida
e colar o elo magoado.

Quando o elo se faz presente
por corda... algema... corrente,
tende a se arrebentar...
ferir-se...
romper-se.

Enquanto a soma das decepções
não revelar um novo retrato,
o elo do sentimento
justificará o resultado inexato.

Autoria: Ilka Vieira

Sem Palra


Meu amor errante
encontrou um porto excitante
para se ancorar.

Deslizei frágil
e sem mantilha.
Subitânea, desfiz a armadilha
correndo seminua,
penhorando em cena
o romance do tema!

Sem palra,
soube esperar
o tempo cruel e justo
que as faces do amor
quase matam de susto,
mas temporariamente reparam.

Autoria: Ilka Vieira

Maturidade


Amadurecer
é um acúmulo de percalços,
mas é saber dos prazeres
e apostar cada vez mais na felicidade.

É um festival de vivências...

É sentir a tempestade
e se banhar na chuva.

Amadurecer é se saber só

diante dos experimentos
e poder optar 
em que estação saltar.

É ajustar o momento

sem coonestar...
sem se perder
das escolhas delineadas,
tão bem guardadas
para partilhar.

Amadurecer

é provocar um encontro
cara a cara com a vida
e, sem lástimas, levar dele 
a capacidade de reconstruir,
percebendo cada passo
das imperfeições.

Amadurecer é retemperar!


Autoria: Ilka Vieira

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A Toalha


A simplicidade da lembrança
que o amor nos deixa
torna-se a base de um recomeço.

No recolhimento dos objetos,
uma tristeza fulminante.
Na despedida, uma insegurança.

No último olhar, 
o aceno sem movimentos.

No trancar da porta, 
o choro de um coração que deixou
sua metade do outro lado.

No desaconchego de quem fica,
a busca rápida de pequenas coisas
que foram levadas na mala.

Na ânsia de reagir,
o empenho de lavar o rosto
e o acaso da simples toalha
pendurada no banheiro, 
esquecida para acalmar...
torturar...
fazer doer...
fazer dormir com a dor,
até que o tempo a transforme
em nada, substituindo-a por outra.

Autoria: Ilka Vieira

Túnel da Alma


Enquanto a consciência adormece,
a alma se desassocia e entra no túnel.
Alia-se aos fantasmas, despe-se da harmonia, 
solta das mãos o olhar ainda tão criança,
que, ingênuo e confiante, brinca... dança.

Às margens do risco, 
o olhar sai riscando paredes da cor do céu,
mas a alma os lava com água suja,
como quem ensina o caminho da felicidade,
descaminhando pela complexidade,
impedindo o corpo pedinte 
de levitar sem razões.

Pobre alma!
Cria uma prece,
a luz se compadece,
amanhece 
e o outro lado do túnel
aparece.

Autoria: Ilka Vieira

Proposta



Faze de mim
este sopro que sai da tua boca
tornando-me brisa no campo,
ar da tua natureza.

Transforma-me
em vento forte,
sem freios...
fazendo curvas,
tropeços de estrada...

Deixa-me balançar as árvores,
torturar o mar,
enfraquecer o sol,
arrepiar os pelos da tua pele,
sugar teus poros,
arrebentar teu peito 
e invadir teu coração.

Autoria: Ilka Vieira

Perspicácia de Lábios



Teu olhar se espalha
pelos arredores da casa
buscando o meu desejo por ti.
Salienta-se por pouco...
sem certezas...sem solidez,
trafega atrapalhando-se,
mas não desiste
e insiste 
pedindo socorro aos lábios
que, ousado, cria um ensejo,
toma o domínio
e rouba-me um beijo.

Autoria: Ilka Vieira

Eu, Amante...



Não posso adiar o momento de ser feliz!
Seria adiar a vida que não tem porque morrer...
Não posso adiar a paixão que chega e me diz:
- Solta o freio e faze da vida teu eterno prazer!

Não posso adiar as batidas do meu coração!
É preciso dar-lhes o direito de acelerar...
Deixar que sigam e saltem só na próxima estação...
Que me embriaguem de amor e me deixem amar!

Não posso tolher meus passos liberais!
Sem regras, a dança é muito mais gostosa...
E os tropeços não se fazem tão mortais
Perco as pétalas, vivo e morro como a rosa.

Faço do meu dia o outro, do outro a fantasia
O amor passa perto, encosta na paixão
Belisca a carne segura e arredia,
Mas nem se atreve a mudar sua emoção.

A porta se fecha, mas o fogo não cessa
tenho entre a noite e a manhã o outono
Revisto a suavidade da alma sem pressa
Quero amar sem impingir-me um dono.

Autoria: Ilka Vieira

Voo em Proximidade


Não, não me denuncies 
por fotografar a tua intimidade... 
Sou um pássaro sobrevoando 
as paisagens da saudade 
e me contentando em ver 
o sol do teu amanhecer. 

Se te tocar não é mais possível, 
deixa-me pousar sobre o sonho infalível, 
confirmando minha única razão de viver. 

Fotografar o teu cotidiano, 
para ti é desrespeitoso e desumano,
para mim é regar a flor do alvorecer. 

Autoria: Ilka Vieira

domingo, 16 de setembro de 2012

O Espetáculo da Solidão



A velocidade da vida me assustou e decidi que não vou acompanhá-la. Evidentemente, isto me torna cada vez mais só comigo mesma, já que o ritmo das pessoas é esticar as pernas, a mente, os desejos, a vaidade e o sucesso de acordo com a velocidade que a vida nos cobra. Aí, encontrar as pessoas significa obrigatoriamente estar por dentro das notícias, da moda, da música, do ator famoso, da política...
Não, eu não debato! Eu já não levo mais notícias e nem sei quem e o que está na moda! Eu estou na moda pra mim! Como pode estar na moda um novo carro, uma nova gíria, um penteado, se muito mais gritante que isso, a cada 5 segundos uma criança morre de fome na terra!
Isso não é um protesto meu, não é uma tese, não é uma campanha.... É a razão pela qual deixei de acompanhar a velocidade daqueles que nem sabem porque correm. Correm e correm praticamente juntos, porque a velocidade os impede de assistir as paisagens feias, tristes e piedosas. 
Também já corri, também já quis chegar primeiro e já fechei os olhos cada vez que a vida tinha cor de morte. Agora, definitivamente, fechei os olhos para aquilo que me foi possível fechar e mergulhei na minha própria profundidade. A descoberta da minha impotência não fará de mim um propagador das desgraças e impurezas. Já que de mãos dadas com a impotência estarei sempre mal acompanhada, optei por ser um Ser írrito, mas solitário. Se é pra enfeitar a tristeza da vida, então vou enfeitar-me de solidão!
Não sei se quem se dói por solidão, se dói por falta de alguém ou por falta de alguém idealizado. Certa vez, criei com meus funcionários uma dinâmica de grupo e escolhi funcionários que sempre se mostravam muito carentes de amigos... de pessoas em suas vidas. Formei um número de cinco funcionários e quatro pessoas estranhas a eles, mas eram pessoas representativas que aceitaram participar desse grande espetáculo que é a possibilidade de cada um conhecer a sim mesmo e o outro. 

Preparei a sala com as seguintes pessoas representativas:

1ª. Um senhor aparentando uns 60 anos; mal trajado, mal cuidado, com semblante melancólico, mas com mãos em calmaria.
2ª. Uma moça dotada de beleza física atraente, bem trajada, perfumada, sorridente, mas de comportamento elusivo.
3ª. Uma outra moça com apresentação tradicional, nada que impressionasse, tudo que estamos acostumados a ver nas mesmices do cotidiano. 
4ª. Uma senhora aparentando quase 70 anos, com apresentação de quem empurra a vida sem pra ela olhar. Personalidade engraçada e de muitas falas.

Diante da sala representativa completa, pedi aos funcionários que entrassem e observassem atentamente cada uma das pessoas ali presente, dando-se ao direito de escolher e votar secretamente naquele com quem gostaria de desfrutar da companhia. A senhora engraçada e a moça dotada de beleza física atraente foram as únicas votadas. A primeira recebeu 1 voto e a segunda, 4 votos. Ou seja, o que as pessoas estão buscando é um envólucro bonito e colorido, independente do conteúdo que geralmente vem lacrado. Em nenhum momento eu disse aos funcionários que eles não poderiam conversar e/ou investigar as pessoas que alí estavam, mas também nenhum deles se interessou por esta possibilidade.

Hoje, eu tenho certeza que o grande espetáculo da vida é não viver agarrado, entrelaçado à alguém que está correndo na mesma velocidade da vida sem olhar para ela.
Eu quero estar solitariamente liberada a fazer a minha escolha... quero que o meu olhar solitário e desapressado seja recompensado por mim, ao ser o último a chegar, colhendo durante sua caminhada aquilo que o sensibiliza e pelo qual vale a pena viver!
Quando o sol nasce mais cedo e eu perco essa magia, sei que outra paisagem vou encontrar mais a frente do meu dia!
Sei que a vida não vai esperar pela minha letargia, mas eu posso e quero descobrir sozinha por qual caminho trilhar!
Não tenho pressa de viver, não tenho medo de viver e morrer desacompanhada, mas tenho fome de abraçar com o olhar!

Autoria: Ilka Vieira


Enamorar-se



Ah, pudesse o tempo não descolorir
As belezas da alma enamorada,
Poesia que faz o sorriso emergir
Do coração de uma flor bem regada

Ah, capazes fôssemos todos nós,
Amar sem querer transformar...
A natureza parece-nos um retrós
Mas é transparente como o ar

Ah, se o coração fosse mesmo cego,
Não reclamaria das imperfeições, 
Mas escondido ao peito, usa o ego
E nos faz donos de todas as razões.

Aprendamos que o amor não se desfaz,
Apenas desaloja-se da austeridade...
Para acolher o amor, é preciso paz,
Não deixar falir a sensibilidade.

Autoria: Ilka Vieira

Canto da Despedida



Eu queria tanto continuar encantando
Viver livremente como passarinho
Entre árvores e lagos sair voando
Soltar meu canto de um ser mansinho

Queria tanto continuar vivendo
Escolher meu alimento com fartura
Buscar água sem receio minuendo
Não me tornar apenas uma gravura 

Por onde ando? Reflita!
Sou vítima do seu abandono
Já não sobrevoo a paisagem bonita
Não vi a primavera e o outono

Reproduzir-me, nem pensar...   
Enquanto faltar bondade humana 
Serei história pra se fazer chorar:
Vão-se passarinhos da terra brasiliana.

Autoria: Ilka Vieira

sábado, 15 de setembro de 2012

Catarse



Só te quero, porque te tenho
num amor profundo e lindo
de tais mergulhos me empenho
voltando plena como se fosse indo...

Eu te amo como me permito,
ali na curva dos ventos
abrindo acesso restrito...
fazendo de ti reinventos...

Eu me dispo só pra te ver!
Tiro a pedra, deixo o mar...
Cavalgo em ti a me perder,
no teu campo sei galopar!

Eu te tenho na semana
por um dia de eternidade...
Me deito em ti como cigana
roubando tua rara liberdade.

Meu convite à tua boca sedenta 
a faz mordiscar a tez macia
criando sabores da pimenta
que misturam desejo com poesia.

Pintaste meu vinho branco de tinto
Penetraste minhas antigas cavernas
E a cada dia mais já te consinto
mudar o trajeto das minhas pernas.

E os teus abraços mais afetuosos
derrubam propostas superficiais...
Chuviscos que seriam momentosos
Levam-me a sonhar com temporais.

Escapuli dos teus sonhos no passado
Não vi teu coração me acenando
Estava escrito, o meu tempo maturado
tinha que ser por ti me apaixonando.

Autoria: Ilka Vieira

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

"Chegar Junto"



Encontrarem-se na travessia do mesmo objetivo.
Revelarem artimanhas, sem necessariamente falar
Abrirem a própria bagagem sem impulso evulsivo
Estarem prontos, sem se aprontar.

Sentirem o vôo progressivo sem olhar pra trás
Darem às asas forma e leveza sem tombar
Criarem pelo vento o impulso que satisfaz
Absorverem  paisagens a quatro olhos num só olhar.

Tocarem o mesmo copo na hora da sede
Repartirem a escassa água no gosto do beijo
Lutarem contra a fome, demolindo a densa parede
Digerirem as carências deitados numa só rede.

Apontarem as mãos para  a ponta dos pés,
demarcando  a saída e a pausa
Suportarem a dor dos dedos feridos,
até que a dança traduza a sua causa.

Abrirem a alma num voto de plenitude,
quebrando preceitos na vagarosidade
 E sem desbotar imagens da juventude
Renascerem para a flor da maturidade.

"Chegar junto" é calar a dois
e aspirar os mesmos sentimentos...

Autoria: Ilka Vieira

domingo, 9 de setembro de 2012

Descaminho



As chuvas hão de lavar os teus ressentimentos
A noite extensiva recolherá a fartura de queixas
Caminhante, escutarás a voz dos meus lamentos
Pensarás nos sonhos que partindo me deixas.

Admito, errei descaminhando o corpo da alma
E ele, tão fraco e vaidoso, roubou dela o ego
Na carícia animal, vi que o amor não espalma
Perdoa, meu amor, este âmago tão cego!

A chance que te peço é o reaprendizado
Já vi, não se mata sede com água salgada
Varro meu futuro se te tornares meu passado
Enfim, saberei distinguir o beco da estrada.

Não esperes que a manhã decida por ti
A razão é tão clara, mas inimiga da sorte
Meu dossiê desprezível, o excluí daqui
Refaz comigo a vida que desvia da morte.

Autoria: Ilka Vieira

Confissão



Chega próximo, ouve o choro dos meus segredos...
Circulam em torno d'alma cansados de se guardar...
Protegendo-me da lama, escondem-se nos rochedos,  
Vestem-se de virtudes, cobrem meu descaminhar...

Vem, encosta tua face leiga no meu peito,
Deixa que me revele com muita coragem...
Perdi as rédeas, não tem mais jeito,  
Exponho hoje minha armazenagem...

Eu sei, vais sofrer ouvindo meus segredos,
Erros cometidos no decorrer do abandono...
Enquanto a primavera cobria teus arvoredos, 
Eu os despia, acelerando teu outono...

Já que vieste sondar minhas rotinas, 
Não sei se te peço ou se te devo perdão...
Se minha sentença és tu quem a assinas,
Leva de brinde minha ousada confissão!

Autoria: Ilka Vieira

A Minha Primeira Vez



Dedos a dedilhar-me em descobertas
Senti-me ilha, tesouro desvendado
Busca pelas minhas terras desertas
Murmúrio, cantiga de mar convidado.

Olhares fazendo-me "ver estrela"
Dorso saindo do colo... fazendo ninho
Piruetas traçando passos de “camela” 
Suor, gosto de água virando vinho.

Sorriso no meu ventre de meia lua 
Cheiro de mato desvirginando flor
Festa de sonhos adormecendo a rua
Esperança de viver verdadeiro amor.

Leito poético de rede na varanda
Abrigando corpos nus “do pecado”
E a brisa banhando com lavanda
Receios de haver algum culpado.

E o sol celebrando o amanhecer
Dourava minha face de juventude
Beijos suaves se fazendo prometer
Elo forte, ilusão traçando quietude...

Precocemente, o tempo injusticeiro
Trouxe-me a chuva, o frio, a solidão
Levou sem dó o meu amor primeiro
E cantiga de mar virou recordação. 

Autoria: Ilka Vieira

Entorpecendo o Vento



Responde ao vento
o quanto és feliz...
Deixa que ele te leve... 
te sinta...
Que faça curvas derrapantes
nos teus seios...
Que se espalhe pelos teus anseios...
Que desafie a ingremia
dos teus ombros...
Que se refugie no bosque
dos teus cabelos...
Que insule os teus pelos...
Que convide a chuva
à insuetude desta beleza fêmea,
poética e intocável.

Autoria: Ilka Vieira

Misturas



As flores hão de conservar a ternura
Expressada ao longo da nossa paixão;
Era nobre ver quando na tua mistura
Sensualidade chegava doce ao coração.

Quebrou-se o tempo em que me olhavas
Descortinando desejos ambivalentes
E no silêncio do amor me abraçavas
Suprindo corpo e alma tão carentes.

Colhi de ti as rosas mais belas de mim
E mesmo regando-as em cada amanhecer
Não percebi, mas mudaram-se de jardim;
Hoje sem vida retratam meu entristecer.

Meus sonhos a ti pertencem por fidelidade.
Meu corpo veste-se de morte noite e dia;
Morre misturado a obsessão e a saudade;
Renasce... quando no leito torno-te poesia!  

Autoria: Ilka Vieira

Bordando Ilusão


(Pelos meus 31 anos de fidelidade ao trabalho duro, com a simples recompensa de me conhecer...) 

Tanto tempo bordando com dedicação
Selecionava as mais lindas cores de linha
Como se fosse na seda, requintava a mão
Colorindo compromisso em cada carreirinha.

Um dia, senti que a seda era algodão
Nem por isso deixei a delicadeza
Não esperava nenhuma recompensa não
Contentava-me o sorriso da realeza.

E a minha vida foi bordando juventude
Força e garra, sol e chuva, noite e dia...  
Nem a fome, nem a dor abateram minha atitude
Mas a alma enxerga e ela é quem anuncia...

A madureza chegou, já não bordava colorido
Aposentei a agulha, a linha na hora exata
Esperei abraço de seda do algodão escolhido
Mas ele virou seda e dela, fêz-se gravata!

Autoria: Ilka Vieira

Pouso Noturno



Venho de um presente tão distante
Como quem repousa a vida no infinito
Já não sonhava com o voo excitante
Tranquei-o na lembrança como um mito.

Tracei mapa, se não estou enganada
Voava com destino a paz da solidão
Sequer tocava a flor tão perfumada
Iludida, iludia minha própria ilusão.

Chuvosa noite me fez pousar confusa
Agarrada à borda do barco, naveguei
Despertando ensolarada e sem escusa
Como pássaro-fêmea muito alto voei.

E sob os céus enfeitei-me de sol
Entre nuvens cheguei ao passado 
Quando cortejada por um rouxinol,
Levando-me ao futuro interrogado...

Autoria: Ilka Vieira