RENASCITUDES

domingo, 16 de setembro de 2012

O Espetáculo da Solidão



A velocidade da vida me assustou e decidi que não vou acompanhá-la. Evidentemente, isto me torna cada vez mais só comigo mesma, já que o ritmo das pessoas é esticar as pernas, a mente, os desejos, a vaidade e o sucesso de acordo com a velocidade que a vida nos cobra. Aí, encontrar as pessoas significa obrigatoriamente estar por dentro das notícias, da moda, da música, do ator famoso, da política...
Não, eu não debato! Eu já não levo mais notícias e nem sei quem e o que está na moda! Eu estou na moda pra mim! Como pode estar na moda um novo carro, uma nova gíria, um penteado, se muito mais gritante que isso, a cada 5 segundos uma criança morre de fome na terra!
Isso não é um protesto meu, não é uma tese, não é uma campanha.... É a razão pela qual deixei de acompanhar a velocidade daqueles que nem sabem porque correm. Correm e correm praticamente juntos, porque a velocidade os impede de assistir as paisagens feias, tristes e piedosas. 
Também já corri, também já quis chegar primeiro e já fechei os olhos cada vez que a vida tinha cor de morte. Agora, definitivamente, fechei os olhos para aquilo que me foi possível fechar e mergulhei na minha própria profundidade. A descoberta da minha impotência não fará de mim um propagador das desgraças e impurezas. Já que de mãos dadas com a impotência estarei sempre mal acompanhada, optei por ser um Ser írrito, mas solitário. Se é pra enfeitar a tristeza da vida, então vou enfeitar-me de solidão!
Não sei se quem se dói por solidão, se dói por falta de alguém ou por falta de alguém idealizado. Certa vez, criei com meus funcionários uma dinâmica de grupo e escolhi funcionários que sempre se mostravam muito carentes de amigos... de pessoas em suas vidas. Formei um número de cinco funcionários e quatro pessoas estranhas a eles, mas eram pessoas representativas que aceitaram participar desse grande espetáculo que é a possibilidade de cada um conhecer a sim mesmo e o outro. 

Preparei a sala com as seguintes pessoas representativas:

1ª. Um senhor aparentando uns 60 anos; mal trajado, mal cuidado, com semblante melancólico, mas com mãos em calmaria.
2ª. Uma moça dotada de beleza física atraente, bem trajada, perfumada, sorridente, mas de comportamento elusivo.
3ª. Uma outra moça com apresentação tradicional, nada que impressionasse, tudo que estamos acostumados a ver nas mesmices do cotidiano. 
4ª. Uma senhora aparentando quase 70 anos, com apresentação de quem empurra a vida sem pra ela olhar. Personalidade engraçada e de muitas falas.

Diante da sala representativa completa, pedi aos funcionários que entrassem e observassem atentamente cada uma das pessoas ali presente, dando-se ao direito de escolher e votar secretamente naquele com quem gostaria de desfrutar da companhia. A senhora engraçada e a moça dotada de beleza física atraente foram as únicas votadas. A primeira recebeu 1 voto e a segunda, 4 votos. Ou seja, o que as pessoas estão buscando é um envólucro bonito e colorido, independente do conteúdo que geralmente vem lacrado. Em nenhum momento eu disse aos funcionários que eles não poderiam conversar e/ou investigar as pessoas que alí estavam, mas também nenhum deles se interessou por esta possibilidade.

Hoje, eu tenho certeza que o grande espetáculo da vida é não viver agarrado, entrelaçado à alguém que está correndo na mesma velocidade da vida sem olhar para ela.
Eu quero estar solitariamente liberada a fazer a minha escolha... quero que o meu olhar solitário e desapressado seja recompensado por mim, ao ser o último a chegar, colhendo durante sua caminhada aquilo que o sensibiliza e pelo qual vale a pena viver!
Quando o sol nasce mais cedo e eu perco essa magia, sei que outra paisagem vou encontrar mais a frente do meu dia!
Sei que a vida não vai esperar pela minha letargia, mas eu posso e quero descobrir sozinha por qual caminho trilhar!
Não tenho pressa de viver, não tenho medo de viver e morrer desacompanhada, mas tenho fome de abraçar com o olhar!

Autoria: Ilka Vieira


3 comentários:

  1. ESPETACULAR! É maravilhosa a desenvoltura de Ilka Vieira em prosa e verso!
    Parabéns, querida Ilka.
    Bjus
    Raquel

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  2. Tinha que ser minha amiga Ilka a escrever um texto tão lúcido, ao mesmo tempo poético.
    Abraço,
    Guilherme Rozack

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  3. Ilka, um sincero e respeitoso abraço pelo grande texto.

    Soraya Simões

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